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23 de jun. de 2013

Medicina sentimental

A bula dizia: "não mais que três por semana". Efeitos colaterais da supermedicação: "enjoo, apatia, empáfia, revirar dos olhos, estresse, cabeça quente". Quando bem dosado, leva a altas doses de euforia, simpatia, alegria, e todos os -ia que se conhecem que têm o poder de curar.




Distanciar-se do frasco é uma dificuldade, existe aquela tentação de querer tomar todos os comprimidos de uma só vez, tamanha a abstinência. Ou então porque acha que os efeitos colaterais não aparecerão tão cedo. De qualquer forma, as reações que acontecem dentro do corpo e da alma quando necessitados do remédio deixam a pessoa irritadiça, ansiosa, querendo ficar com os pés fora do chão e flutuar em direção ao prazer total. Mas a proximidade excessiva poderia levar a golpes internos mais fortes do que imaginava.

Afinal, quando tomava um comprimido, sentia-se a pessoa mais realizada do mundo. E queria repetir esse ritual todos os dias, pois sem ele a vida não teria tanta graça. Será?

Começou a procurar receitas e mais receitas a fim de que sua dose semanal fosse aumentada, ou até mesmo virasse diária. Inventou crises de abstinência e rejeição a outros tipos de remédio, os quais também lhe trariam conforto, bem-estar, alegria e uma sensação de leveza e humor. Só queria AQUELE remédio, AQUELA composição, pronta e embalada para seu organismo complexo.

De início, ficava relaxada, alegre, como se a cura para todo o mal estivesse ali, disponível a qualquer momento e apenas com aquela composição. Aos poucos, iniciou-se um processo de debatimento, de decaimento vital, uma vez que o corpo se adaptou somente àquela droga, que às vezes se encontrava indisponível, sendo entregue somente no final de semana. O pânico nela se instaurou.

Tentou copiar a fórmula, ou misturá-la a outros tipos que já conhecia do passado, mas o processo de readaptação não era fácil. Em alguns momentos, os outros remédios também sumiam, e não tinham mais nada a que recorrer, a não ser perambular por aí à procura da medicina perfeita. Achava uma droga instantânea ali e por ali, que a confortava em alguns dias, porém com pouco efeito.

Resolveu ir ao consultório, perguntar sobre todos esses efeitos:

- Doutor, preciso voltar à minha velha medicação.
- Claramente, minha filha, você nunca deve largá-la. Mas eu disse a você que o excesso poderia levar a uma dependência muito forte. Não que seja incurável, mas...
- Eu sei, doutor, mas é que eu achava tão bom...não imaginava que eu seria uma adicta em potencial.
- Todos somos, minha filha. Todos somos. Mas a cura para todos os males não se concentra em apenas uma medicação, é preciso tomar as outras, e num ritmo regular, senão o vício te mata o espírito e você fica sem saída.
- Pois é, e eu fiquei até uns dias sem as outras drogas...achava-as incapazes de me entreter, de me fixar.
- Aqui estão os comprimidos. Mas como eu disse, não use excessivamente. Isso não te fará bem. Mantenha a rotina com as doses indicadas também com as outras atividades físicas e mentais que te recomendei.
- Ok, doutor.

E voltou a se medicar com um coquetel diverso, em vez de apenas um composto. Afinal, todos somos compostos de infinidades.

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