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9 de jan. de 2012

Atos



"Que horas são? Nove e meia. Nove e meia! Sexta-feira! O que estou fazendo nesta cama fria, neste clima quente, neste quarto vazio, sem vida, eremita em meu próprio mundo? O que buscarei? Por que não posso namorar?"

As respostas vêm rapidamente, todas criadas em sua cabeça. Esconde-se no quarto, pois tem medo de aventurar-se e quebrar a cara; fica no clima quente, porque deseja suar e vitimar-se, autocomiseração em forma de imaturidade; quarto vazio e sem vida, já que não permite sua personalidade florescer neste espaço só seu, neste quadrado só seu, imprimir seu estilo, sua cor, seu detalhe pessoal, seu coração; eremita em todos os momentos de sua vida, bloqueando conversas, tapando as orelhas para novas pessoas, somente apoiando-se em livros de autoajuda e jornais políticos. E a educação da escola. Não namora, uma vez que o amor só virá uma vez. Amarga ilusão...não se deixa levar pela vida, acha que tudo está planejado e que quando for sua vez de amar, amará intensamente. Não precisa experimentar. Para que experimentar? E se eu não gostar? Perder meu tempo com algo de que posso não gostar? Não! Então segue os dias em uma bolha de aço.

"Segunda-feira é prova de matemática. Eu estudei suficiente? Será que sei fazer os problemas de função? Será que sei resolver aquele desafio do professor?"
"Terça-feira é curso de inglês. Falo com bom sotaque? Escrevo perfeitamente? Será que meu currículo ficará melhor com isso?"

Tudo planejado para a semana, para todas as semanas. Nada muda. Esta tudo ali, escrito e registrado em notas, no celular, no calendário do quarto...e daqui a três dias voltará a encontrar os colegas. "Eles falarão do fim de semana, do filme que viram, da praia aonde foram, dos ficantes...eu não! Eu estarei pronta para tirar dez na prova de matemática. E eles se darão mal."

II

   Sábado, nove horas da manhã. Acorda disposta...para dar uma volta no quarteirão e voltar para casa. Precisa ler aquele romance para a aula de Literatura e relembrar as equações físicas. Toma um banho para aprontar-se e dar uma volta no quarteirão. O telefone toca. É uma colega da sala de aula.

-Oi, tudo bem? - pergunta a colega.
-Sim, tudo bem. Eu vou dar uma volta no quarteirão e depois estudar.
-Hoje é meu aniversário. Haverá bolo, dança, muitas pessoas. Você está convidada.
-Não irei, mas obrigada.
-Por que não? Será muito divertido.
-Eu preciso estudar para a prova de segunda. E você, não vai estudar?
-Para quê? Eu já estudo na escola, faço tudo durante a semana. Sábado e domingo são feitos para eu descansar e curtir. Você não acha isso?
-Eu prefiro recordar tudo que eu vi durante a semana, para prevenir. Eu posso esquecer tudo de repente, e eu prefiro não esquecer.
-Bom, que pena. Bons estudos para você.
-Obrigada. E bom aniversário.

O telefonema a fez pensar: "Será que eu esquecerei mesmo o que aprendo durante semana, se eu não refizer as tarefas no fim de semana? Vale a pena tentar um fim de semana fora da rotina?"
Amanda sabe tudo de todas as matérias, mas nunca beijou na boca. Acha repulsivo beijar por beijar, e pensa que o amor que se vê por aí não é tão verdadeiro quanto se imagina. Quer beijar aquele cara especial, aquele que a fará cair de joelhos em seguida. E sem pressa.
Amanda não quer dançar nem passear pelo shopping. Prefere conhecer os livros escolares e ler todas as informações para sempre ser a melhor aluna da classe. E nada mais interessa.

III

Sentada numa cadeira no centro de uma sala escura, somente com uma luz focando para ela. Pensando sobre as danças que não dançou, as bocas que não beijou, as poesias que não recitou. Lá estava ela, relembrando o que não viveu, esquecendo o que viria pela frente, deixando o tempo retroceder as ideias que tinha em mente. Amanhã seria um dia igual ao de ontem, e todos os meses voltariam para parecer que ela nunca se moveu pelo tempo. As horas correm, e seu corpo inerte pesa. Pesa em cima da cadeira. Pesa em cima de conceitos perdidos. Em dias roendo as unhas, e sangrando nos dentes. Dói-lhe a alma, doem-lhe as fraturas psicológicas, e os pés.

"Eu não tenho mais nada a dizer. Eu não tenho mais nada para viver. Eu perdi tudo. Eu perdi você. Eu perdi a chama. Eu perdi...a mim. Perdoe-me por não ser o que eu deveria ter sido, ou o que poderia ter sido. Perdoe-me por ter sido a pior pessoa que já existiu."

A luz se apaga. Ela se levanta. Hora de dormir. Abre a porta do quarto. Tira a camiseta suada e a calça gasta. Pega uma camisola antiga. Veste-a, sem sutiã. A vaidade não tem hora para acordar. Indolente. Deita sobre a cama e se cobre com aquele cobertor de infância, ao qual se apega em momentos de pura tensão. E pensa nos dias em que tudo foi um sonho. Nos dias que passaram e os quais ela deixou ir como se fosse algo simples, irrisório, fácil de se obter novamente. E os dias se foram. E ela ficou. Solitaria. Quase nada a relatar. Volta a fechar os olhos, para dormir, sem sonhar. Sonhar dá medo. Sonhar...mata

4 comentários:

  1. A sensação de que a vida passa e você está preso numa ausência de tudo é inqueitante. Esse conto me tocou de uma menira estranha (pra variar, né Sr. Marinho... Hahaha!) porque me fez pensar que, de alguma maneira, existir pesa...

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  2. existir sempre é algo pesado mas extremamente bom ... eu gosto e não abro mão ...

    belíssima reflexão ...

    bjão

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  3. O peso de viver depende da força com que você lida com ele. Pode parecer leve, pesado...pelo ritmo ou pelo jeito que levamos.

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  4. Existir pesa, quando se está acima do peso. E pensei outra coisa sobre a postagem. Depois vi que não tinha nada a ver com o que pensei.

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