Número de pessoas que se perderam por aqui:

1 de out. de 2013

Ponto de retorno



"A morte. É disse que tenho medo. Só da morte. Uma estupidez, não acha? Sempre tive, desde criança. Não sofri nenhum trauma que provocasse isso. Eu estava na escola quando minha mãe morreu e isso não significou nada. Não é a morte dos outros. Não é a existência da morte. É da minha morte que tenho medo. Sabe, ninguém pode dizer: 'Não se preocupe, querida, não vai acontecer nada.' Não dá para afirmar: 'É tudo imaginação sua, querida, isso não existe.' Não consigo descrever o medo, como ele é, o quanto é terrível. Deve ser como dar à luz, só que não vou gerar vida, tenho a morte entre as pernas. Por vezes ergo a mão assim, olho para ela e penso: eis aqui a morte, faz parte de mim. Posso senti-la com a outra mão, mudá-la de lugar, aquecê-la e sentir seu cheiro e pintar suas unhas. Um dia ela se tornará branca e fria, insensível e inútil, assim como eu serei tudo isso. E depois apodrecerá. E eu apodrecerei."

(P. D. James, O crânio sob a pele)

A cada dia que passa morremos um pouco. Perdemos o viço de nossa pele, o viço de nosso olhar, vamos perdendo algumas esperanças em nossa vida, deixamos de crer tanto naquilo que nos era idealizado desde sempre. A morte física total é apenas o ponto final de uma trajetória cheia de erros e acertos, um ponto ao qual todos chegamos, tendo feito tudo que se desejou ou não. Seremos apenas uma carcaça, um resto de anatomias comparadas para serem postas em alguma vala ou queimadas e jogadas em algum mar ou rio para fluir eternamente.
Ao mesmo tempo, podemos renascer de cada morte causada por elementos externos e renascer para continuar nesse longo percurso, sem muito olhar para trás. Às vezes olhando, pois sempre há algo ou alguém a quem esperar para nos acompanhar. A cada dia que acordamos temos a chance de reavivar aquela luz apagada, aquela vela cujo pavio se havia queimado por completo, mas que de certa forma pode ser reaceso sem medo algum. Podemos sentir a vida em uma mão e na outra, aquecê-la e sentir seu cheiro e colori-la, ou deixá-la em preto e branco em momentos de reflexão ou apenas cansaço momentâneo.
Enquanto houver vida, enquanto houver amor, não nos apodreceremos. Seremos coloridos e quentes, sensíveis e úteis, em ciclos lentos e rápidos.

5 comentários:

  1. Magnífica reflexão querido ... Aprendi a entender a morte como uma experiência já vivida por nós mas q não a temos no consciente ... já morremos uma vez ... foi qdo nascemos ... tínhamos uma vida tranquila, serena, confortável, segura no útero materno ... mas chega um dia e somos surpreendidos pela morte ... morte do q conhecemos e do q nos dá certeza ... morremos e renascemos para outra vida, outro mundo, diferente, estranho, e choramos ... choramos muito ... até q um peito materno nos aqueça e nos passa novamente o aconchego de uma segurança q sempre precisamos ... qdo da outra morte o processo á similar ... renascemos para o universo ... sem a matéria formada, mas integrados novamente na essência deste e de tantos outros universos possíveis e assim segue o ciclo ... medo da morte ... acho q não tenho ... medo da dor e do sofrimento ... ah!! sim! e muito ...

    beijão

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bratz, sempre com uns complementos deliciosos e que me deixam entorpecido. Vivemos diversos ciclos e renascimentos, uma coisa tipicamente escorpiana de ser. Bjs

      Excluir
  2. Sejamos um gorgonzola do mercado Zona Sul. Podres, mas apetitosos.

    ResponderExcluir
  3. Desde pequeno tenho uma sensação de fascínio em relação a minha morte (não a ponto de apressá-la), enquanto a morte dos outros me perturba e entristece. Na verdade, quanto mais experimento as imperfeições da existência (e de convivência), tanto mais enxergo a morte como a libertação, ou como a última e realmente feliz viagem. O desconhecido do além (por enquanto) não conseguiu me deixar assustado...

    ResponderExcluir